Estávamos entrando na
década de 90, vivendo a difícil redemocratização do país e o realinhamento da
Educação no construtivismo de Piaget e na linha libertária de Paulo Freire. Era
um privilégio ser professora de uma escola que resolveu bater de frente com o
conservadorismo e apostar na inovação. Mas eu não era professora. Era a
faz-tudo da instituição – por dentro, o cargo de diretora não tinha nenhum glamour. Trabalhava como uma moura. O pior era acordar assustada e atravessar a cidade para atender ao chamado da
empresa de segurança, quase todas as noites. Eram sempre gatos, gatos, gatos.
Uma noite, encontramos um outro tipo de gato. Enormes olhos escuros, boca carnuda,
quarenta e poucos anos e ladrão. Quase desmaiei, como uma dama do século dezenove,
ao reconhecê-lo. Era o meu gato de estimação. Tranquilamente ele explicou: cansei
de te ver sair de madrugada. Resolvi ser causa ao invés de consequência.
Lourença Lou