sexta-feira, 28 de setembro de 2018

XXV


Abraçando-se, sorria e balançava-se feliz. Os olhos, brilhantes jabuticabas, passeavam entre os meus e o grande embrulho colorido ao pé da árvore. Esperava meu sinal. – Vá. Pode pegar os presentes. – Lentamente se abaixou. Com um cuidado imenso, pegou o embrulho e levou-o a um canto da sala. Paramos todos para olhá-lo. Ele era todo um imenso sorriso. Entre suas perninhas surgiu um grande caminhão de bombeiros. Bateu palmas. Depois as pequenas mãos começaram as descobertas. Luzes se acenderam, sirene gritou e o caminhão saiu de dentro do seu pacote. Sorridente, abriu todos os outros presentes. Chamei-o para cear. Não quis. Sua fome, olhos, boca e sentidos estavam naqueles brinquedos coloridos que nunca tivera. Dormiu cercado por eles. No dia seguinte, minha filha o levou. Seu olhar era uma mistura de encantamento e despedida. O meu, ardência e calmaria. Era natal.


Lourença Lou

Paulo Bentancur A beleza inicial narrada no episódio XXV de COISAS DE LOU (irresistível série de uma espécie de minicontos de tom autobiográfico e atmosfera ficcional) se soma a uma delicada emoção inevitável quando o protagonista é uma criança e a natureza mágica de seus desejos (brincar) sendo atendida. Ainda mais num evento emblemático como o Natal. Mas quem escreve com essa síntese (a adensar mais ainda o impacto psicológico, o encantamento e a subsequente contundência) é Lourença Lou, com sua prosa de quem também, na poesia, vai longe e sempre impecável no ritmo e sem nunca abrir mão da brevidade. Prosa certeira e eufônica, entre a força de um lirismo que sacode o leitor. A contundência principal é o desfecho. Brinquedos na mão, o menino é levado embora no dia seguinte. Mistura êxtase e essa sutil amargura da despedida. Quanto à testemunha da narradora, que certamente o trouxe de alguma instituição para passar aquela noite, "ardência" (prenúncia do pranto) e "calmaria" - porque, humaníssima, deu-se também um belíssimo presente, realizando o mais pleno imaginário de um menino que de outra forma passaria uma noite precária, sem sonho algum, e, menos ainda, sem nenhuma realidade tomada de exuberância. Tocante demais, Lou. Tua série, para meu gosto, já é um êxito. Beijos, carinho, admiração.


L

Não gostava de garotos. Andava sobre saltos e achava que homens maduros eram os grandes parceiros. Aquele menino subverteu meus conceitos ...