A primeira paixão ninguém esquece. Dizem. Não me lembro
exatamente dele. Lembro que sofri. Ele não estava nem aí pra mim. Chorei umas
24 horas. Até que, assim sem mais nem menos, mudei o olhar. Havia vários outros
me olhando. A dor que era tão profunda foi substituída por um calor que
prenunciava tempestade. E foi assim: sempre como se fosse a primeira vez. A
paixão atual era a mais arrasadora. E todas eram estrondosas e terminavam
sempre do mesmo jeito: vazias. Um dia veio um sentimento novo. Não chegou
arrasando, nem queimando, nem trazendo tempestades. Chegou tão silencioso que
demorei a dar-lhe nome. Não fazia doer o coração, nem cantar as pedras como os
poetas me diziam. Mas aguentou chuvas, sol a pino, naufrágios e todas as
contradições. E durou – até que a morte nos separou.
Lourença Lou
Paulo Bentancur COISAS DE LOU - vem com tudo parecendo vir com pouco. É o estilo elegante, limpo, ritmado mesmo
na prosa da poeta de tantos recursos e da escritora multigêneroLourença Lou. Já na 3a frase
deparamo-nos com um efeito da força de um achado, irônico, e, como constatação,
verdadeiro. Na 6a frase são inevitáveis as risadas gerais. E não é de humor que
se trata, mas tal talento sobra nessa escritora que nunca economiza efeitos. Prosa
sim, mas há poesia (metaforização): "A dor que era tão profunda foi
substituída por um calor que prenunciava tempestade". Entre a 4a e 6a
linhas, parte delas revela sob medida a condição humana no plano amoroso. A
narração, quando se aproxima do fim, vai ficando lenta, melhorando ainda mais a
condução narrativa e o ritmo, e a deixar o leitor completamente despreparado
para o desfecho. Quando chega o final da trama de tantos amores que se
pareceram definitivos e definitivamente desapareceram, chega um que não parece
grande coisa. E é exatamente o que permanece. O texto vai na contramão das
clássicas histórias de amor contadas e consagradas. Dentro da série COISAS DE
LOU, este tem um alto grau de literariedade (até porque os outros nem buscam
isso). Estupendo! Beijos, querida Lou!