sexta-feira, 28 de setembro de 2018

XLV


Equilibrando sobre os saltos maldisse minha vaidade. Era a primeira vez que usava o metrô e só não quebrava as pernas porque aquele mundo de gente me impedia até de respirar. Senti algo me incomodando nas costas. Pulsando. Tentei virar. Não conseguia sequer me mexer. Uma raiva foi me subindo. Lembrei-me de uma amiga. Ela sempre me dissera que nunca entrasse num metrô sem um alfinete em mãos. Não tinha alfinete, obviamente. Os saltos. Sim, duas armas! Tentei olhar para os pés. Duas armas inacessíveis. Não havia nenhuma chance de pegar os sapatos. De repente o trem parou. Sem escolha fui empurrada para a porta. Agarrei-me ao primeiro que consegui para não ser jogada para fora. – Não adianta me agarrar, moça. Vou descer aqui. Mas adorei o seu perfume. – Engasguei. Tossi. Quase vomitei. Tranquilamente a voz irônica desceu. Paralisada, o vi piscar desavergonhadamente. Se raiva matasse, eu morreria engasgada. 

Lourença Lou

Paulo Bentancur A situação, seja qual for, comum ou odiosa, entra no elemento da temática. Ora, o que importa é a arte que a escritora sua sangue perseguindo. Para chegar à tal alto grau de literariedade, precisa atingir os mais preciosos conteúdos da linguagem narrativa. É o que Lourença Lou consegue! E só por isso seu texto nos "ganha", nos seduz como leitores para acompanhá-lo com interesse. A atmosfera da situação, sua intensidade e/ou força, sua sugestão pelo modo específico com que a escritora constrói seu miniconto/crônica, isto é que faz da literatura grande ou discutível arte verbal. O nome dado a isto (já me repito) é ESTILO. E Lourença Lou tem estilo, isto é, TEM TUDO! Beijos, querida talentosa.

Que que eu posso dizer de diferente no plano crítico? Diferente o texto é, já que cada texto tem a sua particularidade, a sua trama ou reflexão. Mas acontece que a série COISAS DE LOU é tão homogênea na forma (estrutura do texto, ritmo, linguagem) e até a multiplicidade de temas sustenta o homogêneo porque a temática alimenta a conficção e com isso o projeto não perde o equilíbrio, o estilo, a consistência JAMAIS! O que muda, às vezes, é que um texto dói em nós e outro vem carregado de um humor que nos desafia É o caso deste. SEMPRE BOM, Lou, não erras a pontaria nunca. Beijos de admiração.

L

Não gostava de garotos. Andava sobre saltos e achava que homens maduros eram os grandes parceiros. Aquele menino subverteu meus conceitos ...