quarta-feira, 3 de outubro de 2018

LXV


Era o irmão mais novo de minha mãe. O mais bonito e gentil também - diziam. Mas desde que sofrera o acidente, estava mudado. Revoltado – dizia minha tia Marilda, sua esposa, com aquela voz educada de professora. Eu não achava ele coitado. Achava esquisito. Vivia de cara feia e xingando sua mulher. Não gostava de visitas, nem da própria família. Não suportava nos ver em sua casa. Barulho de criança o deixava com dor de cabeça, dizia minha tia. Nem éramos mais crianças, nem fazíamos barulho. Ríamos alto, encantados com a piscina que quase nunca podíamos usar. Tia Marilda marcava meia hora. Depois nos levava para a cozinha, nos dava um lanche, se desculpava e nos mandava de volta pra casa da mãedinha - era como chamávamos nossa avó . Quase não o víamos. Às vezes, o ouvíamos gritando com a tia, mas nunca ouvimos a voz dela em tom mais alto do que conhecíamos. Eu não gostava dele. Tentava ficar com dó, mas não gostava mesmo dele.  Tinha medo. Um dia, ao voltar da escola, encontramos mãedinha chorando. A cadeira de seu tio caiu na piscina – ela tentava explicar aos nossos olhares de interrogação. Improvisaram roupas pretas para todos nós. Tia Marilda mandou fazer salgadinhos e docinhos. No dia seguinte, fez uma mesa grande na sala ao lado onde estava o caixão. Nunca tinha visto tantos doces. Nem tia Marilda rir tão alto.



Lourença Lou


(COISAS DE LOU é um projeto literário dos mais interessantes. Nele a poeta Lourença Lou tece um novo gênero, a prosa. Mas o lirismo amadureceu seu ritmo, de tal modo que as breves histórias desta série se impõem pela verdade humana que marca a personalidade da escritora e pela fluência de uma dicção que ela não perde nem quando narra. E o mais fundamental: a autora domina tão completamente o projeto que pula a fronteira dos gêneros e realiza com excelência cada um deles. 
Paulo Bentancur )

LXIV


Acabei a palestra e relaxei na cadeira. Todos saíam de forma organizada e dolorosamente silenciosa. Falar sobre o uso de drogas e suas consequências não era fácil para mim. Ouvir, não era fácil para eles, os pais. Depois que todos saíram comecei a juntar minhas coisas. Ela chegou à minha frente. Magra, uma tristeza cobrindo todo seu corpo. Trazia uma foto de uma menina de uns dezesseis anos. Eu não tinha tempo para ouvir mais uma história - pensei. Em seguida, me lembrei do meu filho. Olhei-a. Ela estava chorando, mansamente. Dei-lhe uma cadeira e me preparei para ouvi-la. - Eu a matei - ela disse. Olhei-a, sem saber o quê dizer. - Ela colocou a faca em meu pescoço. Queria dinheiro ou algo para vender. Eu não tinha mais nada. Não raciocinei. Empurrei-a. Não queria matá-la. Ela caiu dentro da cisterna. - Quando foi isso? perguntei. - Agora mesmo. Não tinha mais motivos pra vir aqui, mas queria saber onde errei. - Você não tem que se sentir culpada pelo vício dela. Entendeu isso? Ela se levantou. Com as duas mãos sobre a mesa, me disse: - Agora não importa mais. Vou à delegacia. Eles precisam buscar o corpo. Seus olhos tinham uma dor que eu nunca vira. Deu-me as costas. Nunca mais soube dela.




Lourença Lou

LXIII


Quando ele atravessou na minha frente, caímos os dois. Quis gritar. A legging que amava rasgara-se no joelho. Antes de abrir a boca, abri os olhos. Os dele estavam fechados. De sua cabeça escorria aquele fio vermelho, grosso, de cheiro forte. Não entendia como alguém podia morrer por causa de uma bicicleta e eu ficar só com o joelho ralado. As pessoas foram chegando e falando e falando e quando percebi estava chorando. Foi quando ele abriu os olhos. Desmaiei. Acordei no hospital com aqueles mesmos olhos quase beijando os meus. Queria bater naquele rosto bonito. A boca dele fechou minhas intenções. Criou outras. Ficamos. Tempos depois queríamos matar um ao outro. Quebrei a bicicleta que não matou nenhum dos dois.

Lourença Lou



Paulo Bentancur Melhor que Lourenca sao as coisas de Lou. Que, na verdade, nada menos sáo que a propria Lou. Geralmente acompanhado de seus affairs, se mete em cada enrasgada. Neste episodio (a maioria tem este tom) um humor negro faz o carro do casal colidir com uma bicicleta. O companheiro de Lou fica com a cabeca escorada no guidon e um denso fio de sangue escorrengo. Quando a ela, so ralou o joelho. Viuva antes do tempo? Váo ao hospital, onde recuperam a atmosfera de um imenso afeto. O tempo,passa, ela ja tem uma bibicleta, briga com o parceiro e ela destroi a bicicleta. O importante e que esta dupla sai incolume de tudo. Mesmo se metendo em cada uma... Leitura extremamente sedutora, prazerosa, entremeada de alguns sustos pelos quais o pobre e felizardo leitor de Lourença Lou curte demais. Queee serie, querida Lourença Lou! Beijo!

L

Não gostava de garotos. Andava sobre saltos e achava que homens maduros eram os grandes parceiros. Aquele menino subverteu meus conceitos ...